Com golpista e machista não há conciliação. Este foi o resultado da audiência realizada nesta terça-feira (6) em São Paulo, no processo em que o ator Alexandre Frota move ação de indenização por danos morais contra Eleonora Menicucci, ex-ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres no governo eleito de Dilma Rousseff.
Mesmo acusado de apologia ao estupro, ele pede R$35 mil de indenização por Eleonora ter feito críticas à entrevista dada pelo ator pornô que, em um programa de televisão, confessou ter feito sexo com uma mãe de santo desacordada.
Na porta do Fórum do Juizado Especial Civil Central, na cidade de São Paulo, mulheres receberam com abraços de solidariedade Eleonora. Ao passar pelo mesmo local, Frota foi escrachado pelas mulheres tendo respondido com gestos irônicos. Com gritos de ordem e cartazes, os movimentos presentes deram o recado de que apologia ao estupro é crime e que “golpistas não passarão”
Exemplo de resistência
No oitavo andar do prédio onde ocorreu a audiência, Eleonora esperava com tranquilidade em uma das salas, ao passo de que Frota, colocando-se como vítima, seguiu sendo escoltado pela Polícia Militar até o ultimo instante, mesmo quando não havia mais nenhum manifestante no local. Ninguém foi autorizado a subir. A audiência começou pontualmente às 14h30 e terminou às 15h07.
“Desistir e desesperar jamais”, disse Eleonora, minutos antes da audiência em que não houve acordo da parte dela. Para a histórica militante, o desrespeito de Frota foi religioso e machista.
Ao final da audiência, ela fez um depoimento público, na calçada onde as mulheres a esperavam: “A minha história jamais permitiria que eu fizesse um acordo. Nem pedir desculpas e, tampouco, achar que ele fez o programa gratuitamente. Ele está me processando por eu ter falado que ele fez apologia ao estupro? Há uma articulação maior do que o simples fato dele estar me processando. Essa é uma cultura fascista que nós estamos enfrentando no Brasil”, afirmou.
Segundo advogadas do caso, haverá uma próxima audiência para ouvir as testemunhas, no dia 11 de outubro, e depois será agendada a data do julgamento final.
Afronta à dignidade
Junto ao movimento de mulheres, a secretária da Mulher Trabalhadora na CUT Brasil, Junéia Batista, resumiu qual a imagem que o ator Alexandre Frota passa como figura pública. “Ele representa o atraso, o que há de antigo, a ideia de subserviência da mulher, o machismo e o ódio”, disse.
Secretária da Mulher Trabalhadora na CUT São Paulo, Ana Lúcia Firmino afirmou que as mulheres continuarão resistindo neste cenário em que o golpe foi consolidado. “Isso é uma afronta à dignidade de todas as mulheres, à moral. Uma figura pública deveria ser exemplo aos seus fãs, para o Brasil e para o exterior. Mas não, ele vai a um canal aberto, incentivando e legitimando a cultura do estupro no país. Jamais iremos tolerar isso”, observou.
Para a secretária municipal de Políticas para Mulheres de São Paulo, Denise Motta Dau, por mais que no Brasil exista a Lei Maria da Penha, se não houver prevenção da violência contra a mulher, não se conseguirá erradicá-la. “Isso é algo muito estranho para a democracia brasileira, algo que não tem afinidade com o espírito de justiça e nem com a legislação. Num país em que lutamos cotidianamente por políticas públicas que desconstruam a visão machista que fortalece a cultura de estupro, subordinação e subjulgamento das mulheres, um ator que assumiu e disse ter achado engraçado ter relação sexual com uma mulher incapaz de perceber o abuso, se gaba desse feito e ainda processa uma ministra”, indigna-se.
Cultura do golpe
A polêmica sobre o caso ocorreu no mesmo período em que o golpe estava sendo articulado no Brasil por figuras conservadoras, machistas e misóginas, em um governo ilegítimo onde só cabem homens. Personagens como o Alexandre Frota não representam figuras isoladas.
Exemplos não faltam. O presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), e o deputado federal Jair Bolsonaro representam setores conservadores que querem tirar direitos historicamente conquistados pelas mulheres e criminalizar mulheres estupradas que optam pelo aborto. Também já fizeram declarações de apoio ao golpe e à tortura. Durante votação do impeachment na Câmara, Bolsonaro dedicou seu voto ao coronel Brilhante Ustra, militar acusado de inúmeras torturas.
Uma das milhares de vítimas da ditadura militar, torturada no DOI-Codi de São Paulo, Amelinha Teles avalia que a ação de Frota é uma atitude política do momento em que o país vive, de golpe, de destruição do espaço democrático. “Essa audiência não cabe num fato isolado, mas de contexto institucional. É lamentável que não haja nem tempo pras pessoas terem uma reflexão e o Judiciário não deveria colocar como procedente um julgamento assim”.
Da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), Sônia Coelho lembrou-se de que a presidenta eleita Dilma Rousseff também foi culpada por um crime que não cometeu, assim como Eleonora. “É mais uma expressão do machismo, do conservadorismo e da misoginia que estamos vivendo e como esses setores estão super a vontade para violar direitos e banalizar a violência contra as mulheres, o estupro. A naturalização do estupro demonstra a cultura do estupro no Brasil em que personalidades como ele se sentem livres pra culpabilizar a vítima e atribuir o crime a outro”, lamentou.
Para Amelinha, “todas as mulheres se sentem estupradas com essa declaração e a democracia não pode viver com tamanha violência”.
Sônia também reforçou o fato de que foi a partir dos governos de Lula e Dilma que o Brasil teve uma política criada para o combate à violência e, neste momento, os movimentos temem com o desmonte que vem sendo feito pelo governo ilegítimo de Michel Temer.
Fonte: CUT